sexta-feira, 23 de maio de 2008

Substantivo e Verbo


No iníccio era outro verbo...

Chamava pelo nome em voz alta. O carrasco tinha as cordas vocais tensas. A palavra era uma única. Um nome. A pronúncia terrível ditava o fim. A praça invadida de plebe queria imortalizar o nome e a figura do sentenciado. O povoado recebia o lusco-fusco de um dia de Janeiro. O lugar-tenente sobressaía em cima do cadafalso. Os olhos do povo estático iam todos na mesma direcção e aguardavam o pronunciamento, antes que o substantivo guilhotina fosse pronunciado. Ao prolixo movimento das garras hercúlias do carrasco, solta-se o uníssono grito e férreo de dezenas de vozes, em carrilhão: inocente! O eco rubro instala-se nas quatro paredes da praça. Os braços do algoz emudeceram o movimento ascendente e forcejaram a quietude da cutelada. Erguem-se paus e estadulhos em direcção ao patíbulo. A frente da multidão aponta-os e cerca o indómito corpanzil, fazendo-o rescindir do cumprimento da ordem recebida. As pontas afiadas dos varapaus e garrochas espetam-se sem dó no dorso do animal, como garruchas. Está criada a garabulha. O verbo não foi pronunciado.
Hoje, o substantivo é Direito. É defesa. É sentença. O verbo é defender. É julgar.
Quantos Guantanamos ainda existem? Já se esqueceram de Tienamen?